Capítulo 3
_Ele me ligou! Ele me ligou! Ele me ligou! – a menina
começou a rir e gritar dentro do quarto depois de desligarem, a porta foi
aberta e três olhos assustados a encaravam com espanto.
_O que houve? Quem te ligou? – perguntou Luiz.
_O Lucca! – cantarolou, pulou da cama e abraçou o pai
pelo pescoço, estava feliz e não sabia exatamente se por ele ter ligado ou por
terem marcado algo para o dia que nasceria em breve.
_Por que ele te ligou? – indignou-se Giovanni,
olhando para ela com desgosto.
_Porque ele quis, ué. Não te interessa também.
_Por isso ficou o dia todo trancada nesse quarto? –
Marta questionou, tinha um sorriso estranho nos lábios, era reprovação, mas
Anelyse não percebeu isso, estava eufórica demais para notar a repreensão.
_Não, foi porque meu irmãozinho me deixou triste mais
cedo.
_E o que conversaram? – quis saber o pai, a
direcionando para a cama, se sentaram e ela encarou os outros dois que ainda
estavam à porta.
_Nada demais, ele contou que talvez o namoro tenha
acabado e que estava chateado.
_Agora ele confidencia a você sua vida amorosa? –
Giovanni riu – Corta essa garota! A menos de vinte e quatro horas ele nem sabia
que você existia e nem deve se lembrar agora.
_Espere e verá. – ela beijou o rosto do pai e acenou
para a mãe – Boa noite para vocês, ah e amanhã vou sair à tarde, não sei que
horas volto. Tudo bem?
_Com quem? – se intrometeu Giovanni.
_Não interessa! – rosnou, cansada dele.
_Com quem filha? – o tom do pai foi mais amoroso, mas
não menos descrente.
Anelyse mordeu o lábio inferior e se inclinou para o
pai, sussurrando o nome de Lucca em seu ouvido.
_Mas é segredo. – continuou em um sussurro mais alto.
Luiz sorriu para ela, mas não parecia realmente
feliz, trocou um olhar com sua esposa que mandou Giovanni sair do quarto e
depois fechou a porta se sentando perto de Anelyse.
_Lucca? – adivinhou ela.
_O que foi? – estranhou a menina.
_Filha, ele é maior de idade, não é certo sair com uma
menininha como você. – disse ela.
_Ainda hoje vocês dois se animaram com a idéia dele ser
recíproco a meu sentimento, que história é essa agora?
_A história é que ele é adulto e você não. É errado.
Eu já expliquei a você muitas vezes que você deve namorar alguém que tenha a
sua idade.
Anelyse bufou, pois conhecia bem aquela conversa, o
pai diria que ela deveria ficar com alguém da mesma idade ou no máximo um ano
mais velho, pois a idade mental seria compatível, os gostos, pensamentos para o
futuro e diria mais, que um homem adulto como Lucca iria desejar apenas o corpo
dela e descartá-la. O sermão não foi muito diferente disso, exceto pelo fato do
pai finalizar a conversa com uma sonora ameaça.
_Se ele tocar em você, eu aviso a policia.
Boquiaberta, Anelyse focou os olhos na porta se
fechando, encarou Marta ainda sentada à beira do colchão.
_Ele é só meu amigo, não vou fazer nada de errado! –
esbravejou, havia surpresa e angustia em sua voz.
_Seu pai está certo, eu e ele sofremos muito no
inicio do namoro e casamento por não sermos compatíveis, não queremos o mesmo a
você.
_Eu só vou passear! Não aceitei um pedido de
casamento ou algo assim, é só um passeio pelo aniversário dele!
A mãe se levantou e beijou a testa de Anelyse.
_Não quero que esse menino te magoe, filha. – o olhar
de Anelyse a fez ceder – Você vai, mas esteja de volta antes das seis da tarde.
Ok?
Ela pulou no pescoço da mãe dando beijos estalados na
bochecha da mulher.
_Obrigada mamacitaaaaa! – riram, mas a filha notou
que o riso da mãe foi forçado, porém como não queria que ela revogasse a
decisão, nada disse, deixando-a sair do quarto.
Lucca estava observando o teto, não que enxergasse na
escuridão em que se encontrava, mas o fitava mesmo assim, sentindo-se cego e
abençoado ao mesmo tempo, a escuridão lhe dava a sensação de estar dormindo,
mesmo que soubesse ser bem o oposto, pois sempre que fechava os olhos, o rosto
arredondado da menininha preenchia suas pálpebras. O rapaz não entendia porque
pensava tanto nela, além de ser uma criança, sem formas definidas, ainda estava
muito acima do peso o que não era nada comparado as garotas que ele costumava
sair.
Se alguém o visse fazendo amizade com ela, certamente
acharia que seria por dó, talvez ela mesma pensaria isso, por esse motivo
passou quase treze meses apenas a observando de longe, só nunca entendeu porque
a observava tanto.
Você não é tão
idiota! – pensou consigo mesmo ao perceber que a julgava pela aparência.
Anelyse tinha olhos amendoados e grandes, cabelos
castanhos encaracolados nas pontas, cumpridos até a altura do bumbum. Ela os
usava quase sempre em um coque alto, mal feito propositalmente, deixando o colo
pálido e convidativo à mostra. Um nariz arrebitado e uma boca levemente carnuda
com um sorriso que o fazia sentir como se a vida valesse a pena, a pele era
sedosa como de uma princesa, por isso o apelido que dera a ela, porém ao descer
os olhos a visão era outra. Falta de seios por causa da idade e um sutiã quase
folgado aparecendo abaixo das blusinhas que ela costuma usar, camisetas
bonitas, não fosse o fato de marcarem demais as curvas de seu corpo
arredondado. O quadril era ainda maior que a barriga e muitas vezes percebeu
como sobrava para fora da cadeira quando ela se sentava. A lembrança o fez
soltar um suspiro, por ser homem era inevitável imaginá-los fazendo amor, ele
por cima, pois a visão dela nessa posição tirava todo o sentido da fantasia.
Resmungou, reclamando por estar pensando em uma
criança desta forma, além de errado não havia a menor possibilidade de
desejá-la desta forma. Nenhuma.
Acordou depois de um sonho totalmente erótico com
Anelyse, se surpreendeu por perceber que a desejava sim, mesmo sendo gordinha.
O que o atraia não era o corpo físico, mas o sorriso, o modo como ela o olhava
sempre, com respeito, às vezes até medo, mas havia um brilho ali, algo que
chamava sua atenção, que o deixava curioso.
Ainda era noite quando despertou, as cenas eróticas
no sonho o deixando perturbado, desejoso de fazer algo sobre aquilo. Encarou a
porta fechada, iluminada agora por uma luz clara vindo da janela, perscrutou o
silêncio e fechou os olhos, desta vez imaginou Anelyse como sempre fazia quando
acordava de um sonho assim. Ela magra com seios pequenos que caberiam em suas
mãos, um bumbum arrebitado enfiado em uma calça de lycra, mudava sempre essa
parte, pois sabia que ela não era do tipo periguete,
trocava a imagem por uma saia comportada, mas não menos sensual. Ela sorria
sempre e mordia o canto do lábio o olhando diretamente, como um convite a
tocá-la. Lucca suspirou, o rosto arredondado novamente ali, diante dele.
Percebeu mais uma vez algo que acontecia todas as
noites e ele não se dera conta até aquele momento, ele sempre pensava nela.
Sempre.
Como será
amanhã? – se perguntava a garota, tinha os olhos fixos nas estrelinhas
acima dela.
Deitada de barriga para cima, as mãos atrás da
cabeça, as pernas alongadas sobre a cama. Desejou ter credito para saber se ele também
estava acordado, mas se lembrou que precisaria de cada centavo para pagar o
cachorro quente. Será que ele gosta de
cachorro quente?
Levantou-se silenciosamente e acendeu a luz do
quarto, foi até a gaveta de sua escrivaninha e a abriu, tinha um fundo falso
que ela mesma criara depois de ler muitos livros de suspense policial, onde os
personagens guardavam objetos de valor abaixo de um tampo falso. Levantou a
peça depois de esvaziar a gaveta e sorriu, todas as suas economias estavam ali,
não era muita coisa, talvez cerca de trezentos reais que guardava para comprar
um teclado, pois o que ela tinha fora roubado a alguns anos.
Retirou toda a quantia dali e devolveu os pertences à
gaveta, o dinheiro não deveria ser gasto com nada além do instrumento musical,
mas pensou satisfeita que se isso a fizesse ter mais atenção de Lucca, a
deixaria mais feliz do que o aparelho musical.
Guardou o valor dentro da carteira, a deixando
novamente na mochila, depois se deitou apagando as luzes, rapidamente as
estrelinhas brilharam, as encarou pensativa sobre a conversa com o pai a poucas
horas. Por mais que não concordasse, sabia da necessidade de tomar cuidado,
nunca tinha saído com rapaz nenhum e idealizava um Lucca cavalheiro que não
seria deselegante com ela, principalmente depois de tantos gestos bons que
tivera naquele dia, porém uma voz no fundo de sua cabeça dizia que ele era
homem e um dos mais safados da escola de música, pois costumeiramente era envolvido
em boatos sobre ter dormido com alguma aluna. Nunca foram provados e a Lidia
fazia questão que todos a ouvissem desmascarando as garotas que teoricamente
mentiam. Anelyse só não queria ser uma dessas dos boatos.
Não importa,
você foi a única que se lembrou do aniversário dele e ele disse que acha que o
namoro terminou, então não importa! Nada disso importa. Pense nele como um
amigo, Anne. Um amigo lindo, cheiroso, charmoso... – ela pensava e parou
para suspirar lentamente – O que a Lidia
vai pensar de mim sabendo que sai com ele bem quando eles terminaram? –
mordeu o lábio e apertou bem os olhos – Durma!
Durmaaaa! Duuuurmmaaa! – cantarolou para si mesma.
_Anelyse, vamos... nós estamos atrasado. – chamou
Giovanni mal humorado, mas ela já estava acordando, por isso levantou num
salto, sem pestanejar. O rapaz arqueou uma das sobrancelhas surpreso, já que
ela enrolava até o último minuto – Ansiosa?
_Não, só acordei rápido. – o empurrou para longe até
se fechar no quarto.
A casa onde moravam pertencera a seus avós paternos,
era grande com três suítes, um quintal espaçoso e garagem para dois carros, não
fosse pelo pai ter herdado a construção, não sabia se teriam tanto espaço.
A menina se enfiou no banheiro e ao sair estava de
banho tomado, vestida com o uniforme da escola e com o cabelo molhado escovado
e solto sobre seus ombros. Resolveu levar a maquiagem na mochila e se arrumar
na escola para que ninguém desconfiasse, colocou dez reais no bolsinho lateral
da mochila e pronta saiu para encontrar Giovanni que já estava na cozinha
terminando seu desjejum.
_Você ta lerda hoje. – reclamou ele.
_E você nem fez café fresco, é um folgado mesmo.
Um dos maiores defeitos de Giovanni era não perceber
o quanto as pessoas faziam por ele, e por ser assim, raramente retribuía os
favores, o que chateava Anelyse quando esta não podia fazer algo por algum
motivo. Todos os dias levantava e se arrumava rapidamente para preparar o café
para que eles não saíssem sem comer, pois sabia da fraca anemia que o irmão
tinha e que este não podia ficar muito tempo sem se alimentar, mas nas raras
vezes em que ela perdia a hora, ele não era capaz de passar um café ou manteiga
em um pão para ela, comia solitário sem se preocupar se ela saia sem se
alimentar ou não.
Em silêncio Anne bebeu um copo de água e avisou.
_Vamos de ônibus hoje, papai me deu dinheiro ontem e
eu não quero usar a bombinha.
_Vai pagar a minha passagem também? – questionou e
logo sorriu quando ela confirmou com a cabeça.
Giovanni tinha idade para trabalhar e ganhar seu
próprio dinheiro, mas usava as aulas diurnas como desculpa para não ser chamado
a nenhuma entrevista de emprego, no fundo ela e os pais sabiam que ele negava
os empregos antes mesmo de saber o nome do empregador.
Aguardou por ele no portão, estava ansiosa demais
para esperar dentro da casa, quando saiu, rapidamente trancou o portão fazendo
o caminho para o ponto de ônibus. Se fossem a pé deveriam sair no máximo seis
horas da manhã, mas o ônibus levava vinte minutos de sua residência os
despejando na frente do colégio. Passava das seis e vinte quando saíram.
Anelyse apressada, pois sabia que o ônibus passaria logo e Giovanni terminando
de pendurar a mochila no ombro, totalmente desengonçado.
A parada ficava na rua paralela a casa deles,
chegaram ao ponto no segundo em que o ônibus virou a esquina. Anne deu sinal e
entraram no veiculo, após pagarem os seis reais para as duas passagens, foram
para o final do ônibus para não terem dificuldade em descer. Giovanni parou ao
lado da irmã e a abraçou pela cintura protetoramente. Ela escorou a cabeça em
seu ombro e sorriu, podiam brigar todos os dias, mas ele sempre a tratava bem
em algum momento.
_Queria que fossemos sempre de ônibus. – comentou
ele.
_Eu também, ou de carro. Mas deixa só eu começar a
trabalhar que isso muda. – informou ela com um sorriso nos lábios. Giovanni
concordou, não gostava de trabalhar e a idéia lhe dava calafrios, mas as vezes
quando iam para a escola e a via passando mal da asma, pensava seriamente em
trabalhar, pelo mesmo motivo que ela verbalizara.
O caminho foi rápido e logo estavam à frente da
escola, se separando. Ele para sua turma e ela em direção a sala de aula, onde
Sandra a esperava louca para ouvir as novidades sobre a saída do dia anterior,
pois tinha visto a cena que Giovanni fizera. Foi recebida por olhares curiosos
e assim que sentou, três pares de olhos a encararam.
_Quem é aquele gatinho que veio te pegar ontem? – uma
ruiva de olhos claros e muitas sardas na bochecha questionou.
Anelyse sentiu ruborizar. A ruiva era Cristiane Abreu
uma das populares da turma, pois apesar das sardas já possuía um corpo esguio
de mulher feita, com seios volumosos. Estava
sempre arrumada com jeans apertados e a camiseta da escola justa ao corpo. Anne
acreditava que ela customizava as roupas do colégio para parecerem mais
sensuais nela.
_Como? – gaguejou.
_Elas querem saber do Lucca. – explicou Sandra,
divertindo-se.
_Eu... eu sei. Mas por quê?
_Porque ele é lindo. – resmungou a morena impaciente.
Ela tinha olhos incrivelmente verdes, uma boca grande
e pele escura quase negra. Tão alta quanto Cristiane, porém menos gentil.
Anelyse suspirou, não queria nenhuma delas se interessando por Lucca, pois eram
exatamente o tipo de garotas que ele preferiria sair, mas não tinha como
escapar das respostas e internamente estava feliz por ter um pouco de atenção
das populares.
_Bem... ele é um dos professores na escola de musica
que freqüento. – começou, mas elas imediatamente interromperam.
_Que escola? Onde fica?
_Que horário ele da aula? – Flavia, a morena,
interrompeu as perguntas de Cristiane que a olhou irritada.
Procurou o olhar de Sandra desesperada por uma ajuda
e ela prontamente respondeu.
_A escola de Artes, chama mesmo escola de Artes. Fica na Avenida Nazareth, não tem como
errar. É um prédio bege, com uma rampa dupla logo à frente. Ao lado da
faculdade de engenharia. Sabem onde fica?
_Claro! – se animou Cristiane – Meu ex estuda na universidade.
– fez questão de arrastar a palavra universidade como se fosse algo muito
importante ter namorado o universitário.
Anelyse engoliu um gemido, não queria nenhuma delas
freqüentando a escola de música também. Sandra notou o olhar chateado de Anne e
deu de ombros se sentando na carteira à frente dela.
_Então, qual o nome dele mesmo? – perguntou Flavia.
_É Lucca. – respondeu de má vontade – Mas ele tem
namorada.
_Ah é? E é você? – elas riram e a mediram por
inteiro.
_Não, ele é só meu amigo. – resmungou – Mas a
namorada dele é minha amiga também.
_Ela é fofinha como você? Por que se for, tiro ele
dela fácil fácil. – riu. A ruiva olhou as unhas pintadas de roxo e sorriu para
Flavia, parecia triunfante.
Anelyse mordeu a parte de dentro da bochecha. Não se
incomodava com seu peso, sabia que era assim por causa do corticóide injetado
em seu corpo nas tantas crises de asma que teve ao longo dos seus dezesseis
anos de vida. Estava fazendo tratamento com um pneumologista, ele era médico do
convenio de sua mãe, mas ouvir o modo como a desdenhara por estar acima do peso
e mostrara que se achava melhor por serem magras, a enfureceu.
_Ele gosta de garotas com cérebro e não apenas um corpo
esguio. – revidou.
Sandra arregalou os olhos, pois raramente ouvia
Anelyse enfrentar alguém, mas isso não abalou em nada a garota ruiva, que se
levantou da carteira e antes de se afastar disse em alto e bom tom.
_Essa é a desculpas das feias.
Anelyse rugiu, porém controlando o som para não ser
ouvida, Sandra tocou a mão dela fazendo sinal negativo, para que ignorasse o
comentário. Lentamente a menina deixou a respiração de normalizar, precisou
usar a bombinha para isso, um dos males da asma é que sempre que ficava nervosa
ou ansiosa, desencadeava uma crise. Quase tudo a fazia ficar sem ar.
Alguns minutos depois a professora de educação
artística entrou na sala, por isso a conversa com Sandra foi adiada por algumas
horas. O trabalho dado pela professora era um desenho cego, algo que aprenderam
no jardim de infância e ninguém via utilidade, mas valia pontos na média por
isso todos se esforçavam para fazer. O desenho consistia em olhar a pessoa à
frente e desenhá-la sem olhar para o papel e sem afastar o lápis da folha
branca. Todos riam dos garranchos que faziam e ao chegar a vez de Sandra
mostrar seu desenho de Anelyse para a turma, Cristiane achou mais uma deixa
para humilhar a garota.
_Até a própria amiga só enxerga o tamanho dela,
parecem duas bolas numa folha, não se sabe se é a cabeça ou o corpo.
Pela primeira vez aquilo a machucou de verdade,
talvez por ser a primeira vez que realmente se sentiu incomodada com seu peso.
Veria Lucca dali a algumas horas e ele namorava sua melhor amiga, uma beldade
em questão de beleza. Lidia tinha cabelos claros e cacheados, sempre tratados e
sedosos, lábios finos e olhos esverdeados como o fundo de uma lagoa cheia de
algas. O corpo era de mulher e de dançarina, as curvas nos lugares certos além
da postura perfeita e ereta.
Mal percebeu que tinha saído da sala, só notou quando
sentiu uma mão fria tocando seu ombro. Parou de andar e encarou o rapaz à sua
frente. Era outro dos populares, um moreno alto, um pouco magro mas bonito. Os
olhos castanho-claro a encaravam preocupados e ele tinha um sorriso forçado nos
lábios finos. Anelyse respirou fundo exacerbada.
_Veio tirar sarro de mim também, Thiago?
_Não, claro que não! Fiquei preocupado, você saiu
correndo e deixou isso cair. – estendeu a bombinha a ela, quando segurou
percebeu que Giovanni estava próximo, talvez tivesse assistido toda a cena, já
que eram da mesma turma.
_Obrigada.
Guardou a bombinha no bolso da calça jeans e começou
a se afastar, Thiago a seguiu em silêncio, descendo com ela para o pátio da
escola.
_Você não tem que dar importância ao que falam. –
começou quando ela parou de andar, lavando os pulsos em uma das pias do
ginásio.
_E não dou... só que... – ela respirou fundo e olhou
para ele que parecia genuinamente interessado – As vezes essas coisas chateiam
a gente.
Thiago concordou com ela, pois quase ninguém do
colégio sabia que ele escondia um grande segredo sobre si mesmo, por medo de
sofrer o que ela sofria por causa de preconceito de pessoas como Cristiane e
Flavia. Sem entender porque ela sentiu o abraço do rapaz e retribuiu, o
beijando ligeiramente no rosto.
_Você é linda a seu modo. Não aceite que digam o
contrário. – comentou.
_Obrigada... – estava encabulada e nitidamente
perdida. Não conseguia decidir se voltava para a sala de aula ou ficava no
pátio esperando a hora do intervalo, faltava pouco mais de vinte minutos para o
aviso do final da segunda aula, que também era de educação artística.
_Vem, vamos comer alguma coisa. – Thiago a conduziu
para a lanchonete que ficava no centro do pátio, ela não se lembrava da última
vez que havia comprado algo ali, pois nunca tinham dinheiro, hesitou por um
momento mas se lembrou da quantia guardada na mochila e resolveu exagerar um
pouco, menos dois reais não fariam muita diferença. Ao encostarem no balcão a
mulher os atendeu com um sorriso cansado.
_O que vai querer?
_Dois enroladinhos. – ele olhou para Anelyse – Você
gosta de enroladinho?
_A...acho que sim. – franziu o cenho procurando no
letreiro acima deles o preço do salgado.
_Dois enroladinhos e duas cocas.
Anelyse colocou a mão no bolso do jeans para retirar
o dinheiro e viu quando o rapaz pagou o pedido de ambos, sentiu a bochecha
corar no mesmo momento e o olhou sem saber o que dizer. Além de gorda começava
a aparentar pobreza, seria ótimo ver Lucca com essa sensação. Respirou fundo
desviando o olhar para as escadas que dão para as salas de aula de onde
desceram a pouco.
A mulher entregou o pedido diretamente a Thiago que
dividiu com Anelyse sem perceber o quanto ela ficou abalada, pois a intenção
dele era bem o oposto, queria que ela se sentisse melhor, mas estava acostumado
a pagar a conta quando oferecia algo as meninas com quem saia, foi tão
automático que nem reparou.
_Obrigada. – disse e se sentaram no palco ao lado da
lanchonete e de frente para o estacionamento dos professores, onde no dia
anterior ela vira Lucca chegar. Olhou discretamente para a saída, mas não havia
nem sinal do Uno preto.
_Acho que nós nunca conversamos. – começou o rapaz,
mastigando ao mesmo tempo que falava.
_Não, nunca.
E um silencio constrangedor se firmou entre eles.
Thiago não sabia porque sentiu o ímpeto de ir atrás de Anelyse quando viu o que
acontecera, era um dos melhores amigos do irmão dela e perceber que Giovanni
não faria nada apenas para deixar intacta sua popularidade o irritou, agora que
estavam frente a frente, ele não sabia o que dizer.
Terminaram de comer e quando ouviu que ela acabara
com a bebida, recolheu o lixo de sua mão, levando para a lixeira mais próxima e
demorando um pouco a retornar, justamente por causa do silêncio, quando se
sentou ao lado dela, ela o encarou com olhos enormes, pareciam o confrontar.
_Ficou com dó de mim?
_Não! – pausou por um momento – Claro que não. Só não
me conformo do seu irmão ver essas coisas e não fazer nada, afinal, ele é seu
irmão!
_O que queria que ele fizesse? Batesse nela? – riu
sem nenhum humor.
_Não, mas ele é popular, se ele falar pra não mexer
com você, as pessoas respeitam.
_Eu não ligo pra isso. De verdade. – acrescentou quando
viu a descrença nos olhos dele – Não até hoje pelo menos. – sussurrou.
_Por que hoje é diferente? – quis saber.
_Porque vou sair com um cara. – o rosto dela ficou
rubi e ele riu achando bonitinho, Anelyse o olhou assustada, mas ele a
incentivou a continuar – Então... vou sair com ele. Gosto dele tem muito tempo,
mas ele namora uma amiga minha e ela é linda, sabe? Bailarina.
_Sei... mas você também é linda.
Ela fez uma careta.
_Fisicamente. Ela é linda fisicamente.
_E você também. – ele insistiu, mas para acabar com o
assunto ela deu de ombros.
_Além dela ter desenvoltura, não é tímida, consegue
conversar com as pessoas, dança, tem presença. Aonde vai sempre tem pessoas
novas conversando com ela. Já eu, estou sempre à sombra, observando e nunca
atuando realmente.
_Você está conversando comigo e essas qualidades que
você citou nela, você tem, você só se esconde das pessoas.
_E como você pode ter certeza disso? – desafiou.
_Porque eu vejo você.
_Como assim?
_Anne, você é divertida, é linda, é inteligente, é
carinhosa, apesar de ser tímida, não é tão inibida quanto ser faz. Eu freqüento
a sua casa apesar de não nos falarmos e eu vejo você. Como você é preocupada
com a sua família e principalmente com o seu irmão. Essas garotas que esnobam
você não valem nem metade do que você vale.
_Ta apaixonado pela minha irmã? – diferente do dia
anterior, Giovanni não pareceu irritado, mas ambos saltaram no lugar se
assustando com a voz dele.
Thiago levou a mão ao peito e riu.
_Não to não.
Anelyse estava com o rosto completamente vermelho
mais uma vez e deu um soquinho no braço de Giovanni, rindo.
_Parecia estar se declarando pra ela. E cara, ela é
mesmo tudo o que você falou.
Ela sorriu para o irmão que se sentou ao lado dela, a
beijando no alto da cabeça.
_O que está acontecendo com os homens hoje? A lua
mudou? – brincou e ambos começaram a rir.
_Viu como você é engraçada? – disse Thiago.
_Como assim a lua mudou? – quis saber Giovanni que
riu apenas para seguir o amigo.
Anne e Thiago riram divertidos desta vez, ela
recostou o corpo no peito do irmão enquanto explicava.
_Mulher quando muda de humor é TPM, eu brinco que em
homem é a lua que muda de estação. – sorriu.
_Ahhhhh.
Ambos sabiam que Giovanni não tinha entendido, mas
nada disseram. A conversa correu animada durante toda a manhã, passaram o tempo
todo no pátio da escola ignorando as ultimas aulas. Faltando meia hora pro
ultimo sinal, Sandra apareceu com as coisas de Anelyse nos braços e se juntou a
eles.
_Você sumiu.
_Esqueci de voltar. – comentou – Obrigada. – disse
assim que pegou a mochila das mãos dela – Vamos comigo no banheiro?
_Anram.
Se afastaram mas não antes de ouvir Thiago comentar
com Giovanni.
_Por que mulher sempre vão juntas ao banheiro?
_Essa é a pergunta que não quer calar.
Elas riram entrando no banheiro.
Era um banheiro comum de colégio, havia um longo
espelho, várias pias e pequenos cubículos com portas fechadas onde ficavam os
vasos sanitários. Estava todo pintado de branco e as portas num tom azul
marinho desbotando.
_Me ajuda com a maquiagem? – pediu Anelyse
timidamente.
_Claro!
Enquanto Sandra fazia uma maquiagem leve no rosto de
Anelyse, aproveitaram para colocar a fofoca em dia. A garota fez Anne contar
cada mínimo detalhe dos acontecimentos do ultimo dia, estava ainda mais
empolgada que a amiga sobre o encontro dela com Lucca.
_Será que ele ta solteiro mesmo? – perguntou.
_Não sei. – Anelyse deu de ombros – Só sei que sou
uma péssima amiga.
_Não é não, se a Lidia fosse mais esperta, valorizava
melhor o Lucca. Eles só brigam.
_E por coisas bestas. – sussurrou Anelyse.
Sandra deu espaço para que ela se olhasse no espelho.
Seu rosto estava perfeitamente uniforme com a base usada em sua pele, levemente
corado por causa do blush, os olhos marcados de rimel e lápis de olho preto e
os lábios num tom rosa bem clarinho por conta do batom do mesmo tom. Ela sorriu
para a imagem.
_Nossa, fiquei linda!
_Você é linda, só ajudei a ficar mais. – sorriu.
_Obrigada.
_E esse cabelo?
_O que tem meu cabelo?
_Vai deixar assim? Todo bagunçado?
Para Anelyse seus cabelos pareciam normais, estavam
soltos e em cachos, largados sobre suas costas displicentemente. Sandra apenas
retirou algo de sua bolsa, passou na mão e começou a espalhar nos fios, em
poucos minutos eles pareciam mais brilhantes e ajeitados. Ela tinha a sensação
de ter saído de um salão de beleza.
_O que você passou ai?
_Creme de pentear.
_Nossa... ficou legal.
Ela deslizou os dedos pelos fios sentindo a maciez,
alem de estarem cheirosos. Decidiram que estava pronta, por isso tirou a
camiseta do uniforme e vestiu uma blusinha leve, preta, por cima do sutiã
rendado e do jeans escuro que estava usando. Sandra aprovou o visual e saíram
do banheiro, no mesmo instante se ouviu
o sinal sonoro que indicava o fim de mais um dia letivo.
_Ain meu deus! – gemeu Anelyse nervosa com a
proximidade do momento.
_Uau! – interromperam Thiago e Giovanni, mas foi
Thiago quem completou – Você está linda!
_Obrigada. – ela corou.
O rapaz entrelaçou os dedos aos dela, retirou a
mochila de seu ombro e começou a conduzi-la para a saída. Anelyse ainda tentou
se desvencilhar dele e pegar sua mochila de volta, mas ele parecia achar
divertido impedi-la. Dessa forma saíram do colégio. Giovanni rindo junto com
Thiago e Sandra, porém Anelyse olhava desesperada para os lados para saber se
Lucca estava vendo aquela cena.
Seus olhos se encontraram no momento em que Thiago a
puxou para perto e sussurrou em seu ouvido.
_O cara vai ficar gamado em você.
Anelyse olhou para Thiago e sorriu sincera, feliz com
o que ele disse, por isso não viu como Lucca reagiu. Ele abaixou o rosto
apertando o maxilar com força e deu as costas para ela, se distanciando
rapidamente dali. Estava com as mãos enfiadas nos bolsos, em punho e uma
sensação cortante no peito. Tossiu com força para afastar o bolo que se formava
na garganta.
Para ler os capítulos anteriores: Amor e Música
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